Maidan 2
Autor: César Antônio Ferreira (“Ilya Ehrenburg”)
Neste ano tenebroso, horrendo, marcado
por conflitos sangrentos, onde o ódio aparece como marca, um deles,
quase desaparecido da mídia, é capaz de se mostrar elucidativo pelo seu
desdobramento. Falo do conflito havido na Ucrânia, mais precisamente no
leste da Ucrânia, país marcado pela sina de ser propriedade de um clube
de poderosos, políticos que são literalmente donos do estado, e não por
outro motivo, denominados de oligarcas.
O conflito em Gaza com suas cenas
chocantes e o massacre de mulheres e crianças, aliado à resistência
tenaz do Hamás por meio das suas eficientes Brigadas Al-Qassam, de uma
maneira natural chama para si a atenção do noticiário. Afinal, Israel
premia o mundo com as imagens assustadoras do seu arrogante poder e não
se faz de rogado. Mas, é conflito esquecido da nossa mídia, aquele que
acontece na Ucrânia, ainda que também seja revestido de maior
importância, pois se desenrola com todo o espectro possível da vida
humana: a farsa, a traição, o heroísmo, a covardia e o ódio.
Para se ter uma ideia, a farsa se revela
na maneira porca com que a mídia deste lado de cá do mundo retrata o
conflito civil do leste ucraniano. Não faz muito, o pasquim gaúcho Zero
Hora anunciava a “intenção” da OTAN em apoiar diretamente o pateta Petro
Oleksiyovych Poroshenko e as suas forças, engajadas no leste da
Ucrânia, para “protegê-las da agressão russa”. Piada maior não pode
haver, pois o agressor, ali, é o governo instalado em Kiev, tenha o nome
que for… Os russos estão do seu lado da fronteira, apenas assistindo
quase todo o exército ucraniano somar baixas diárias de vulto, e pesadas
perdas materiais. Aliás, para quem sabe ler nas entrelinhas da
propaganda, pois o exemplo do Zero Hora não é jornalismo, fica evidente
que Kiev está em desespero. E não é por menos.
Acontece que a tática cautelosa, de
cercar os federalistas em um amplo bolsão, e depois realizar cercos
menores em volta das principais cidades, acabou na verdade por reduzir a
frente para uma força guerrilheira que de fato é muito pequena, menos
de 12.000 homens. Além disto, forneceu aos guerrilheiros uma imensa
quantidade de alvos. As tentativas de cerco aos federalistas não são bem
sucedidas pelo simples fato de que o combatente irregular não precisa
se apegar ao terreno, por mais que estejam, neste caso, lutando na terra
dos seus ancestrais. O pior para Kiev, entretanto, é o plano logístico,
afinal, nada é mais difícil do que alimentar, vestir, suprir e municiar
90.000 combatentes em campo. A “Operação Anti – Terroristas” tornou-se
um sorvedouro de recursos para a combalida economia ucraniana.
E antes fosse apenas um sorvedouro de
recursos. O fato é que as forças ucranianas sairão chamuscadas e
moralmente abaladas pela incursão no leste, seja qual for o resultado.
Hoje mesmo (escrevo no dia 07.08.2014) a Força Aérea da Ucrânia perdeu
um caça MiG-29. No último domingo o Exército da Ucrânia viu 400 soldados
largarem suas armas à procura de refúgio e internação na Rússia! E o
resultado, que mais parece uma comédia pastelão, foi o pedido de 150
destes para ingressarem no corpo da guerrilha federalista, pelo fato de
terem deles desfrutado de maior respeito profissional do que aquele
havido entre a tropa e os oficiais de Kiev! Um detalhe interessante
desta história é que os jornalistas das agências norte-americanas,
instalados como correspondentes em Moscou, não aceitaram convites para
entrevistar estes desgraçados soldados. Ora, ora, não surpreende esta
recusa, afinal, propagandistas não fazem jornalismo.
Não é só o tom de farsa, entretanto, que
se vê nesta guerra, percebe-se também o desespero e a insensibilidade
presentes, como de resto estão em qualquer guerra. As forças de Kiev não
se furtam de bombardear casas e prédios da cidade de Donetsk. É um ato
intencional, uma obra de terror de nítido caráter punitivo contra a
população civil, um ato de ódio, insano, uma raiva manifesta por serem
eles o que são: russos étnicos moradores por séculos da Bacia do Don. E
onde há raiva insana, há o desespero paranoico. As tropas governamentais
adotaram o procedimento grotesco dos destacamentos de bloqueio. Se você
não sabe o que significam lhe explico com prazer: trata-se de postar a
retaguarda sua, tropas armadas para evitar que os seus combatentes
recuem de volta para as suas linhas, se por ventura sejam rechaçados
pelo fogo inimigo. Não preciso dizer que é um procedimento bem ao gosto
de lideranças totalitárias: o NKVD realizava para Stalin as ações de
bloqueio, enquanto as Feldjäger (Feldgendarmerie) faziam a alegria de
Hitler…
E o regime instalado em Kiev, vai além
do uso de Destacamentos de Bloqueio… Bombardeia os seus próprios
soldados, não por engano, como em geral acontece em batalha, o
famigerado “fogo amigo”, mas de forma intencional, pelo fato simples de
uma formação blindada estar isolada, longe das demais forças ucranianas e
cercada pelos guerrilheiros federalistas. Kiev prefere matar os seus
próprios soldados, esquecendo que uma rendição é aceitável no âmbito
militar quando você se vê cercado. Pois, este ato de covardia e desprezo
pela vida dos seus próprios soldados se refletiu na negociação para a
rendição: 15 veículos blindados já foram entregues e os estrangeiros
foram desarmados. Os federalistas garantem a vida dos soldados cercados
contanto que eles forneçam provas da participação de estrangeiros, ou
seja, vídeos e os mesmos vivos. Ao que parece, existem dentro desta
formação, a 79ª Brigada, mercenários de países da OTAN, algo que,
todavia, não seria uma novidade: mais de uma centena deles já foram
mortos, ou feridos.
Você, caro leitor, que me seguiu até
aqui percebeu que os federalistas afirmam que “garantem a vida”? Pois
saiba que essa garantia é tênue frente ao ódio desenfreado que é gerado
em uma guerra. Dia desses, um garoto muito novo, não mais que 18 anos,
parecia ser um menino de 16, foi junto com outro combatente, este
veterano, capturado pelos guerrilheiros. Foram interrogados, e muito
amedrontados, pois aparentemente sofreram uma surra previa (algo que não
me surpreende), para depois ganharem cigarros, quando então foram
mandados para um hospital, dado que tinha ferimentos. Entretanto, ambos
eram membros da “Guarda Nacional”, que nada mais é do que uma palhaçada
nascida da mente fascista dos marginais da Praça Maidan. Postaram,
ambos, suas fotos em uma rede social, bem parecida com o Facebook, uma
tal de “Kontackt”, ou coisa que o valha, onde estavam uniformizados e
fazendo a saudação nazista… Não deu outra: um comando guerrilheiro
invadiu o hospital, retiraram-nos de lá e os fuzilaram. É o ódio
governando corações e mentes.
E o ódio gera caixões… Em desafio ao
retorno sem vida dos seus maridos, irmãos e filhos, as mulheres do oeste
da Ucrânia, onde acontecem as convocações, invadem os escritórios dos
burgos e empastelam as repartições responsáveis pela conscrição. Já
houve atentado à bala em prefeitura do oeste… Fazem, inclusive,
bloqueios nas estradas com queima de pneus. Estas ações de desafio civil
ao poder central, não ficaram restritas aos pequenos centros urbanos do
oeste; espalhou-se no rastilho de pólvora que é a pobreza, assolada
pelo custo da guerra, geradora da inflação, desemprego e do corte da
ajuda social. Chegaram, assim, à capital ucraniana: Kiev. Sim, caríssimo
leitor, acontece agora, neste exato momento o espetáculo Maidan 2, A
Farsa! Estrelado pelos mesmos acéfalos de Maidan 1, que agora divididos
se digladiam pelas ruas da capital. Poderia aqui apelar para o dito
popular e dizer que seria “cômico se não fosse trágico”, entretanto, nem
tragédia é, pois o que acontece novamente na praça Maidan, apesar dos
confrontos violentos que por agora ocorrem em Kiev, é mais uma farsa:
Yúlia Timoshenko e membros do partido Svoboda, insuflam a população
contra Poroshenko, o fantoche…
Que seja… A tragicomédia, como se vê não
é retratada pela nossa mídia, que repete apenas aquilo que se passa na
mídia norte-americana e inglesa. Ora, o que se vê, nestas, é pura
propaganda. Por isso tome matérias que fazem de Putin o vilão, como se a
bagunça toda ocorresse em território da Federação Russa e não no seu
vizinho. Nada, absolutamente nada do que acontece no leste da Ucrânia
lhe é informado. Nunca será… A não ser por alguns abnegados, refratários
ao abuso e ao sono, com o qual lutam, para tentar trazer até ao querido
leitor a informação mínima daquilo que é odioso e horrendo, trágico e
farsesco, tenebroso e… Comum.
http://www.planobrazil.com/maidan-2/
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