5 de setembro de 2022

Crise de energia piora na Finlândia

 

Governo declara "economia de guerra" devido às consequências de sanções anti-russas desnecessárias.


Por Lucas Leiroz de Almeida

Os efeitos colaterais das sanções anti-russas estão se tornando cada vez mais insuportáveis ​​para os países ocidentais. A Finlândia ativou níveis máximos de alerta devido à crise energética, dando início a medidas excecionais para gerir as dificuldades de abastecimento. O chefe de governo chegou a afirmar que o país estaria vivendo uma “economia de guerra”, apesar de a Finlândia obviamente não estar em guerra com nenhum outro estado. Este cenário revela o caminho desastroso que o Ocidente escolheu seguir por sua própria decisão.

Em 1º de setembro, a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin descreveu a situação econômica em seu país em meio à crise de fornecimento de gás como uma “economia de guerra”. Curiosamente, em seu discurso, Marin culpou o presidente russo Vladimir Putin pela crise, apesar de a decisão de sancionar Moscou ter sido tomada unilateralmente pelos países ocidentais. Segundo ela, a crise do gás está ocorrendo porque o governo russo está usando a energia como arma no conflito atual.

“Parece que estamos vivendo em uma economia de guerra. Esta não é uma situação econômica normal”, disse ela em entrevista coletiva.

Ela também acrescentou que esta é a terceira calamidade que seu país enfrenta desde que assumiu o poder em 2019:

“A primeira [crise] foi a pandemia, a segunda foi a maré da guerra chegando na Europa e a terceira é a crise energética, que tanto a Finlândia quanto todos os outros países europeus estão enfrentando, devido à guerra e ao fato de que Putin está usando a energia como arma contra a Europa”.

Marin não explicou exatamente como o gás estava sendo usado como arma pelos russos. Ela apenas culpou Putin de forma genérica e injustificada. Na verdade, suas palavras soaram como uma tentativa desesperada de fazer uma espécie de bode expiatório para a crise iminente que prejudicará seu país. Marin apenas tentou fugir de sua responsabilidade como chefe de governo da Finlândia, apontando o presidente de um país estrangeiro como a causa dos problemas.

No entanto, é preciso enfatizar que não há validade na retórica de Marin. A Rússia inicialmente não tinha a intenção de usar a energia como ponto estratégico em suas disputas internacionais. Pelo contrário, foi o próprio Ocidente que impôs uma série de sanções às quais Moscou foi obrigada a responder com algumas medidas, como exigir pagamento em rublos, controlar preços e até proibir vendas em alguns casos mais graves.

Se o Ocidente não tivesse tomado a iniciativa de tentar “punir” a Rússia por iniciar a operação especial na Ucrânia, Moscou certamente teria mantido intacto o suprimento energético europeu. Todas as ações russas surgiram em resposta às provocações ocidentais. O problema é que os países europeus não parecem ter agido com prudência e estratégia, simplesmente aderiram ao plano americano de sancionar a Rússia mesmo sendo energicamente dependentes da Rússia e carentes de fontes alternativas de gás. Agora, Marin tenta “culpar” os russos, mas impor sanções e até mesmo pedir a adesão à OTAN foi uma iniciativa unilateral de seu governo.

O caso finlandês é bastante emblemático e resume bem o abismo que a Europa escolheu para si. Antes da escalada do conflito ucraniano, o país nórdico dependia de Moscou para o fornecimento de 70% de seu gás natural e 35% de seu petróleo, além de 14% de sua eletricidade. Sem a parceria com Moscou, Helsinque simplesmente não conseguiria atender às demandas energéticas das cadeias produtivas e da população, mas mesmo assim o país optou por sancionar a Rússia, proibir importações e negar qualquer forma de diálogo. Não há como analisar esses fatos e concluir que o presidente russo Vladimir Putin é o “culpado” pela crise. A responsabilidade é, sem dúvida, do próprio governo finlandês.

Na situação da “economia de guerra”, de fato, uma crise sem precedentes ameaça Helsinque. E o mais curioso é que o governo toma medidas que só vão piorar ainda mais a situação, ao invés de buscar melhorias. A Finlândia foi um dos primeiros estados a impor restrições à entrada de turistas russos, reduzindo pela metade o número de vistos. De acordo com as novas regras anunciadas recentemente, apenas 500 vistos podem ser concedidos por dia a cidadãos russos, 100 dos quais são reservados para turistas e 400 para trabalho, estudo e viagens em família. É importante lembrar que mais de 20% de toda a receita do turismo finlandês vem de cidadãos russos. Segundo fontes oficiais, o país perderá mais de 600 milhões de euros com as novas regras de visto.

Além disso, a Finlândia continua firme em seu pedido de adesão à aliança militar ocidental. De fato, quanto mais o país é afetado pelas tensões com a Rússia, mais ele parece disposto a agravar essas tensões. Moscou em nenhum momento mostrou qualquer sinal de ameaça a Helsinque, mas o país nórdico parece estar absolutamente influenciado pela falaciosa retórica ocidental de que a operação na Ucrânia vai “se expandir” por toda a Europa, por isso prefere entrar em recessão e crise econômica em vez de simplesmente sendo diplomático com a Rússia.

Por enquanto, Marin certamente continuará tentando fazer de Putin o bode expiatório dos erros de seu governo. Mas isso não vai convencer o público por muito tempo. A PM tem sido fortemente criticada tanto por má gestão quanto por escândalos em sua vida privada. Sua popularidade provavelmente cairá ainda mais à medida que o país afundar em uma “economia de guerra” sem estar em guerra.

*

Lucas Leiroz , pesquisador em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; consultor geopolítico. Você pode seguir Lucas no Twitter .

A imagem em destaque é do InfoBrics

https://infobrics.org

Nenhum comentário: