Washington quer que o Brasil se torne parceiro da OTAN, mas isso não favorece os interesses do Brasil
Brasil e Estados Unidos parecem estar se aproximando mais uma vez, após um curto período de tensões diplomáticas. Recentemente, autoridades americanas expressaram seu apoio à promoção do Brasil ao status de parceiro global da OTAN. Devido às críticas de Biden ao Bolsonaro (motivado pelos crimes ambientais cometidos na Floresta Amazônica), o governo brasileiro reverteu parte de sua narrativa anti-China em 2021 e permitiu a participação da Huawei no mercado 5G brasileiro. Agora, aparentemente, os EUA querem “reconquistar” o Brasil como um aliado regional, com o objetivo de impedir o avanço da China na América do Sul. Além disso, com a América Latina retornando gradualmente ao centro dos interesses geopolíticos de Washington, o papel do Brasil como um satélite dos EUA torna-se progressivamente mais importante, considerando o valor estratégico do Brasil na construção de uma estratégia de cerco contra a Venezuela. Na semana passada, um comitê de autoridades americanas viajou à capital do Brasil, Brasília, para iniciar uma série de diálogos estratégicos com representantes do governo brasileiro. Na ocasião, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, demonstrou o apoio dos Estados Unidos para que o Brasil se torne um parceiro global da OTAN. A entrada do país no programa de cooperação da aliança militar ocidental foi discutida entre Sullivan e o ministro da Defesa brasileiro, Walter Braga Netto. Posteriormente, Sullivan se reuniu com o próprio Presidente Bolsonaro, reforçando a diplomacia bilateral, apresentando a proposta e mostrando seu apoio pessoal a essa medida. Sullivan impôs apenas uma condição ao Brasil: o retorno do veto à Huawei. A participação chinesa no 5G brasileiro é considerada uma ameaça frontal aos interesses americanos, pois representa uma expansão da influência de um dos maiores rivais geopolíticos de Washington em um território extremamente estratégico dentro do próprio continente americano. Para os EUA, banir a China dos subcontinentes central e sul é crucial para garantir sua hegemonia regional - e é precisamente a hegemonia regional que os EUA estão tentando consolidar aumentando a presença da OTAN na América do Sul. Nesse sentido, a mensagem do assessor americano foi clara: uma coisa depende da outra - para entrar no programa da OTAN, o Brasil precisa banir a empresa chinesa, sem uma terceira via. Para evitar conflitos e tentar manter o atual cenário do mercado 5G, as autoridades brasileiras tentaram negociar algumas alternativas, propondo formas de limitar a presença chinesa sem recorrer à proibição total, mas Sullivan negou qualquer negociação a esse respeito. Posteriormente, a embaixada americana reafirmou as palavras do conselheiro e publicou uma nota mostrando que estava muito preocupada com a segurança nacional dos países que permitem a ação da Huawei (mantendo a narrativa de Donald Trump sobre o uso de serviços 5G para espionagem por Pequim). A Embaixada da China em Brasília repudiou com veemência a atitude americana e também publicou nota, afirmando que os americanos querem “sabotar a parceria sino-brasileira”, além de dizer que os EUA são um “império hacker” e a real ameaça ao global cíber segurança. Dentro da equipe do Bolsonaro, existem muitas opiniões diferentes sobre o assunto. Na verdade, Bolsonaro acredita pessoalmente em todas as narrativas anti-China e apóia o banimento da Huawei, mas ele teve que desistir de seus planos com motivação ideológica e pensar pragmaticamente nos últimos meses, já que não tinha mais apoio americano. Agora, esse respaldo ressurge e então o presidente brasileiro terá que decidir entre manter o status quo ou retomar a política de alinhamento automático com Washington. A Agência Brasileira de Inteligência também é favorável à proibição por temer possíveis ameaças à segurança nacional, mas as Forças Armadas, por outro lado, não são unânimes a favor da medida, pois sabem que é importante para a defesa nacional manter relações pacíficas com os rivais dos EUA. Com este cenário, o debate está longe de terminar. Bolsonaro sempre tentou garantir a entrada do Brasil na OTAN (como membro ou parceiro) e esta foi uma das principais promessas de sua campanha eleitoral. O próprio ex-presidente Trump nunca prometeu ao Brasil um papel na aliança e com Biden o projeto ficou ainda mais distante - agora, de repente, é o próprio governo Biden que faz a ideia voltar com muito mais força, o que não é por acaso: ocupar O Brasil é importante para os Estados Unidos poderem conter a influência chinesa no continente americano e, mais ainda, consolidar uma estratégia de cerco à Venezuela.
O interesse dos EUA pelo Brasil surge como uma continuação dos eventos recentes nas Américas. O assassinato do presidente haitiano, a tentativa de revolução colorida em Cuba e a crise com os navios estrangeiros ao longo da costa venezuelana são múltiplos aspectos da nova incursão americana em seu próprio continente. Washington está tentando neutralizar os territórios onde disputa influência com a China (como o Brasil) e, como resultado, sufocar governos “irrecuperáveis” (como Venezuela, Cuba e Nicarágua). “Recuperar” o Brasil é positivo para os americanos nesse duplo sentido: reduzir a influência chinesa e cercar Caracas. O mais provável é que Bolsonaro aceite a proposta, tendo em vista que não só ele, mas também a Agência de Inteligência, alguns ministros e muitos parlamentares querem a entrada do Brasil na OTAN. Mas a medida encontrará resistências, pois parte dos militares tem uma visão puramente pragmática e sabe que aceitar a proposta significa trocar relações pacíficas com grandes potências mundiais, como China e Rússia, por um papel subordinado na aliança, o que parece favorecer apenas os EUA. Além disso, é preciso lembrar que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e que a participação brasileira na OTAN representaria um verdadeiro golpe nas relações bilaterais. Nesse sentido, o empresariado brasileiro e o setor agrário vão se opor severamente à aceitação da oferta americana. Certamente haverá ainda mais polarização no cenário brasileiro nos próximos meses.
Lucas Leiroz é pesquisador em direito internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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