Por Stephen Sefton
As vitórias eleitorais de Gustavo Petro e Inácio Lula da Silva este ano na Colômbia e no Brasil aumentaram a esperança de um novo e forte impulso para a plena emancipação da América Latina e do Caribe. A recente reabertura das relações entre a Colômbia e a República Bolivariana da Venezuela reforçou esse otimismo, junto com o provável abandono precoce do fracassado impostor Juan Guaidó por seus donos americanos, que na prática já aceitam a legitimidade do governo do presidente Nicolás Maduro. Da mesma forma, espera-se que o novo governo de Lula da Silva no Brasil adote políticas que promovam mais ativamente o desenvolvimento econômico e a integração regional.
Mas, em geral, na América Latina e no Caribe, a influência imperialista reacionária das elites corporativas dos EUA e seu governo continua a sufocar o livre desenvolvimento da região, tanto por meio de interferência direta agressiva quanto por meio de controle econômico indireto sinistro. Em relação a essa potência econômica neocolonial dos Estados Unidos, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) explorou em seu Relatório de Comércio e Desenvolvimento deste ano as implicações do fim das baixas taxas de juros dos bancos centrais ocidentais que duraram mais de mais de uma década até o final de 2021.
Durante esse período, os governos de muitos países em desenvolvimento assumiram níveis relativamente altos de dívida. Alguns governos se endividaram ainda mais entre 2020 e 2022, principalmente para melhor administrar as dificuldades causadas pelas medidas internacionais implementadas contra a COVID-19 e também para comprar vacinas. Agora, os bancos centrais ocidentais estão aumentando suas taxas de juros, supostamente para controlar a inflação. No entanto, o provável sucesso de tais medidas é questionável, uma vez que as principais causas da inflação internacional neste ano não foram o excesso de demanda ou aumentos salariais, mas limitações na oferta global de bens.
Também contribuiu para o aumento da inflação o aumento das margens de lucro das grandes empresas, tanto nacionais quanto internacionais, inflando os preços em até 40% ou até 50%. Esses problemas na economia global foram ainda mais complicados pela operação especial militar russa na Ucrânia e pelas medidas coercitivas ocidentais contraproducentes contra a Federação Russa, que afetaram seriamente as próprias economias ocidentais que as aplicaram. Em geral, países com níveis de endividamento relativamente altos terão problemas devido tanto ao pagamento de juros mais altos quanto à fuga de capitais, especialmente para os mercados financeiros dos Estados Unidos.
Até o final de outubro deste ano, o dólar americano valorizou 22% em relação ao iene japonês e 13% em relação ao euro. A valorização do dólar nos mercados internacionais complica ainda mais a situação das economias nacionais dos países em desenvolvimento. Essa realidade é outra expressão de como a dominação ocidental da economia mundial e sua ordem financeira limitam drasticamente as possibilidades da maioria dos países do mundo desenvolverem suas economias com sucesso. Apesar dos avanços rumo a um mundo multipolar com opções comerciais e financeiras mais diversificadas, graças principalmente à China, as nações de regiões como a África ou a América Latina e o Caribe continuam sujeitas à dominação neocolonial dos Estados Unidos e seus aliados.
Isso causa um dilema para os líderes social-democratas da América Latina e do Caribe. Pode ser que favoreçam políticas progressivas de integração regional que permitam uma atividade econômica em maior escala e um maior intercâmbio comercial na região. Mas eles sempre sentem que devem estar atentos ao que querem as autoridades americanas e europeias e os donos corporativos desses governos. Essa realidade se reflete em maior ou menor grau no comportamento de líderes como Lula da Silva, Andrés Manuel López Obrador, Alberto Fernández, Gustavo Petro e Gabriel Boric, por exemplo no convite temerário, incoerente e intempestivo de Gustavo Petro para a Comando Sul dos EUA e até a OTAN para intervir para proteger a Amazônia.
Nesse contexto regional, múltiplas contradições em nível nacional em países como Argentina e Brasil também tendem a afetar as políticas externas de seus governos. A Argentina se inscreveu para ingressar no grupo BRICS, mas permanece sujeita às condições neoliberais que acompanham o acordo de dívida com o Fundo Monetário Internacional, controlado pelos Estados Unidos, negociado pelo corrupto governo anterior de Mauricio Macri. Ao mesmo tempo em que as relações dos países latino-americanos e caribenhos com a China avançam de forma muito positiva, os governos desses países continuam participando da Organização dos Estados Americanos, apesar de sua natureza e papel de instrumento neocolonial dos Estados Unidos. Apenas Cuba, Nicarágua e Venezuela o rejeitaram.
A política regional dos Estados Unidos consiste muito claramente em usar múltiplos tipos de interferência para enfraquecer a capacidade das nações da região de defender sua soberania nacional. O objetivo dos EUA é provocar a crise e a polarização na América Latina e no Caribe para facilitar seu controle e influência econômica, cultural, política e até jurídica. Essa constante interferência multifacetada dos Estados Unidos, seja diretamente por meio de seus militares, diplomatas, corporações e banqueiros, seja por meio de seus diversos aliados locais, tem causado insegurança, violência e instabilidade política em muitos países da região.
No Equador e no Haiti, há uma violência aguda e um colapso da autoridade dos governos desses países. No Peru, o governo de Pedro Castillo está paralisado por uma guerra institucional e legal travada implacavelmente pela oposição política. O Brasil também é altamente polarizado. Lula da Silva venceu a recente eleição com uma margem de votos muito pequena, apoiado por uma coalizão com muitas divergências internas. Ao assumir o cargo, ele terá que enfrentar uma legislatura dominada pela oposição em um país onde a maioria de seus estados componentes também será governada pela oposição.
A Argentina terá eleições nacionais no próximo ano em um clima de grande incerteza a favor da direita, que conseguiu um avanço importante no final de 2021 ao conquistar o controle do Senado nas eleições legislativas daquele ano. Na Bolívia, a violenta oposição racista de Santa Cruz continua promovendo condições para uma nova tentativa de golpe contra o governo de Luis Arce. No Chile, Gabriel Boric não conseguiu formular um projeto nacional capaz de enfrentar e superar a interminável luta de classes da direita do país, fracasso político expresso na derrota no recente referendo da proposta de uma nova constituição. Com nuances diferentes, esses mesmos padrões de polarização, instabilidade e insegurança caracterizam México, Guatemala, Honduras e El Salvador.
Cuba continua a ser um modelo indomável de defesa da dignidade nacional, mas a sua população sofre extremas dificuldades em resultado do bloqueio implacável e genocida dos Estados Unidos. O governo bolivariano do presidente Nicolás Maduro e o povo venezuelano superaram os piores efeitos das inúmeras medidas coercitivas ilegais, sabotagens e tentativas de assassinato dos Estados Unidos, da União Européia e do governo colombiano de Iván Duque. Mas levará tempo para conseguir a plena recuperação de sua economia e sociedade após mais de uma década de selvagem agressão ocidental, ainda em vigor, como demonstra a recente renovação pela União Européia de suas medidas coercitivas ilegais contra a Venezuela.
Poucos países da região são política, econômica e socialmente estáveis. Nos países do sistema centro-americano, a República Dominicana, Costa Rica, Panamá e, especialmente, a Nicarágua apresentam os maiores níveis de estabilidade. A Nicarágua conseguiu isso apesar da agressão persistente dos Estados Unidos e seus aliados. A sociedade e a economia do país assimilaram em um tempo inesperadamente curto as graves consequências econômicas da violenta tentativa de golpe fracassado de 2018, organizada pelos Estados Unidos e alguns países da União Europeia. Eles praticamente superaram os efeitos dessa tentativa fracassada de golpe quando o Covid-19 apareceu em 2020, um desafio que o governo da Nicarágua do presidente Ortega também superou com sucesso excepcional
Da mesma forma, a Nicarágua conseguiu ajustar sua economia às sucessivas medidas coercitivas ilegais norte-americanas e europeias nos últimos cinco anos, alcançando neste ano um crescimento do PIB superior a 5%, um dos mais altos da América Latina e do Caribe. As eleições municipais de 6 de novembro provaram que a Nicarágua alcançou níveis de coesão e unidade política e social, de paz e segurança cidadã que permanecem um sonho distante para o resto da América Latina. Juntamente com os processos revolucionários de Cuba e da Venezuela, o Povo como Presidente da Nicarágua defende a dignidade soberana nacional do país, promovendo activamente a emancipação e integração da região num mundo multipolar, sem ilusões de que as elites genocidas do Ocidente vão desistir voluntariamente de um iota de seu poder econômico.
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