5 de novembro de 2020

Com volta do MAS sob Arce no poder, Bolívia vivencia momento de tensão

 As tensões aumentam na Bolívia com a aproximação do dia de posse da Arce

Por Lucas Leiroz de Almeida



A vitória de Arce não foi suficiente para superar os efeitos do golpe na Bolívia. Atualmente, o país está fortemente ameaçado pela confluência de interesses antidemocráticos de diversos grupos políticos, paramilitares e fundamentalistas religiosos que buscam impedir a posse do novo governo, prevista para 8 de novembro. Institucionalmente, não há dúvida sobre a validade da vitória de Arce, que já foi confirmada pela Justiça Eleitoral da Bolívia, mas mesmo assim vários grupos continuam questionando o procedimento. Dia após dia, surgem novas denúncias de fraude e todo tipo de denúncia, mesmo sem evidências materiais.

Como era de se esperar, o núcleo das críticas ao processo eleitoral vem da cidade de Santa Cruz, fortaleza da extrema direita boliviana e de onde se originaram as articulações que levaram à derrubada de Evo Morales no ano passado. Em Santa Cruz, as manifestações já começaram, e a agenda é uma só: que as eleições sejam anuladas. Com este objetivo, os manifestantes endureceram seu discurso e pediram a intervenção das Forças Armadas da Bolívia.

Na noite de 2 de novembro, em reunião, a União Juvenil Cruceñista (UJC) - grupo paramilitar de extrema direita com sede em Santa Cruz - decidiu ignorar completamente os resultados eleitorais, exigindo uma “auditoria cidadã, militar e policial” do atual situação eleitoral boliviana. O UJC é um dos grupos políticos mais violentos da América Latina, tendo cometido espancamentos e assassinatos durante os protestos contra Evo Morales no ano passado. Além de convocar os militares para “pôr ordem no país”, militantes da UJC estão bloqueando estradas e diversos pontos estratégicos do país com o objetivo de causar caos e instabilidade - enfim, a estratégia é gerar desordem social para justificar o necessidade de intervenção militar - que parece ser a única saída possível.

Porém, agora o problema vai além da UJC: alguns militares aposentados recentemente se reuniram para formar grupos políticos ativos, caracterizados por agendas comuns com a UJC, como política de alinhamento com os EUA, liberalismo econômico e racismo contra os indígenas. Esses núcleos militares atualmente pedem a Añez que se recuse a passar a posição para Arce. Embora a vitória de Arce tenha sido reconhecida, Añez e seus ministros não deram resposta pública para repudiar os pedidos que vêm recebendo de grupos extremistas, o que suscita grande preocupação, considerando que tais proclamações são atos verdadeiramente ilegais e o silêncio da presidente pode, para alguns analistas , indicam algum tipo de conspiração ou conluio com uma tentativa de golpe.

Alguns grupos religiosos também aderiram ao movimento contra Arce. Representantes da comunidade católica boliviana falaram durante audiência pública no dia 18 de outubro questionando o resultado das eleições. Além disso, grupos neopentecostais tradicionalmente se opõem à esquerda política boliviana e agora estão ganhando destaque em protestos contra Arce. Os fundamentalistas religiosos estão associados ao golpe boliviano desde as primeiras articulações e continuam a ser uma parte essencial da direita política do país, tendo forte influência na agitação popular.

Diante desse cenário, é importante lembrar que em julho ocorreu um sério confronto entre governo e parlamento na Bolívia. A crise se deve ao fato de Añez ter proposto a promoção de alguns generais do Exército sem a aprovação do Parlamento, o que causou grande agitação entre os senadores. Na ocasião, o Comandante das Forças Armadas, general Sergio Orellana, em ato de insubordinação, exigiu que os senadores aprovassem a lista de promoções no prazo máximo de uma semana. Añez permaneceu em silêncio e não desaprovou a atitude dos militares, então, sob violenta coerção, os senadores aprovaram a lista.

A constituição boliviana veta totalmente a possibilidade de o governo promover unilateralmente os generais do exército e da polícia, de modo que os atuais comandantes das Forças Armadas foram designados ilegalmente. É importante considerar isso porque mostra, além do estado caótico da ordem jurídica boliviana, uma evidência de um verdadeiro conluio entre Añez e os generais atuais. Isso, combinado com o fato de que o governo permanece em silêncio diante dos atos violentos da UJC e de outros grupos extremistas, nos leva a questionar: Será que Añez realmente aceitará a decisão democrática ou temos outro golpe a caminho?

Os próximos dias serão tensos. Provavelmente, os protestos aumentarão exponencialmente as ruas bolivianas serão marcadas pelo confronto entre apoiadores e opositores de Arce. Além da mera inauguração, resta saber como será o governo Arce diante de tanta pressão e violência. Arce será capaz de governar?



Lucas Leiroz is a research fellow in international law at the Federal University of Rio de Janeiro.

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