O agronegócio é o centro da economia brasileira, correspondendo a mais de 20% do PIB nacional. De fato, a economia brasileira sofreu um forte golpe nos últimos anos, com o país sendo submetido a um processo avançado de desindustrialização. Naquela época, o setor agrícola é um dos poucos que ainda permanece, aumentando ainda mais sua importância para o país. A pandemia ameaçou fortemente o agronegócio brasileiro e, a princípio, afetou as exportações, mas, ao contrário das expectativas iniciais, o mercado superou dificuldades e saiu vitorioso da crise, principalmente devido às tensões aumentadas na guerra comercial EUA-China.
Em junho, os dados das exportações brasileiras do agronegócio bateram um recorde, com mais de 10 bilhões de dólares - cerca de 25% a mais que no mesmo período do ano passado. Há um país que é de importância central nesse crescimento esmagador das exportações brasileiras: a China. Com o crescimento da guerra comercial e tarifária entre Pequim e Washington, a China encontrou no Brasil uma excelente fonte de suprimento para sua demanda por produtos do agronegócio.
Outro fator que fortaleceu os laços entre o Brasil e a China foi a necessidade chinesa do mercado de carne brasileiro, principalmente devido ao aumento de casos de peste suína africana e febre aftosa na Ásia, o que levou Pequim a aumentar as exportações do Brasil - que quebrou um recorde e superou em mais de 10% dos registros em 2019. Ainda assim, a China foi o primeiro país a superar a crise causada pela pandemia, o que a fez buscar atender suas demandas nesse setor mais cedo. Atualmente, a China compra cerca de 40% de todas as exportações brasileiras. Como o Brasil concorre com os EUA no agronegócio, a parceria sino-brasileira, do ponto de vista estratégico, tende a se fortalecer.
Mas as relações entre Brasil e China podem ser afetadas pela disputa geopolítica entre Pequim e Washington. Como se sabe, o governo Bolsonaro manteve uma relação de alinhamento automático com os Estados Unidos. O Brasil não cortou relações com a China, mas, em várias ocasiões, esteve envolvido em crises diplomáticas e diversas tensões que obstruíram muitas possíveis cooperações econômicas. O maior interesse chinês agora é o setor tecnológico, preocupado com a participação da Huawei no leilão brasileiro de tecnologia 5G. Bolsonaro a princípio vetou a China, mas reverteu sua decisão de se desculpar pela crise diplomática gerada por seu filho - que ofendeu a China com acusações de conspiração sobre o novo coronavírus. Desde então, foi criado um cenário de tensões internas, onde uma parte do governo insiste em interromper a participação chinesa, enquanto outra, mais estrategista, apóia essa participação.
O principal problema é que não se sabe exatamente quando o leilão será realizado - que já foi adiado várias vezes devido à pandemia e, até que ocorra, as tensões continuarão e a participação chinesa será incerta. O principal medo dos representantes do agronegócio brasileiro é que, se a China for vetada, haverá retaliação econômica aplicada precisamente neste setor - o que é esperado, já que é o setor mais importante da economia brasileira. Atualmente, o agronegócio brasileiro depende verdadeiramente da China - não apenas devido ao aumento da demanda por carnes e outros produtos, mas há anos a China é o maior comprador da soja brasileira, sendo um parceiro indispensável no Brasil.
Ainda assim, há um fator político fundamental. Embora a ala ideológica do governo seja absolutamente contrária às relações de cooperação entre Brasil e China, Bolsonaro foi eleito com forte apoio de representantes do agronegócio, que possuem uma grande base parlamentar. Sem esse apoio, o eleitorado do atual presidente seria insuficiente para garantir a eleição. Agora, esse mesmo setor exige de Bolsonaro uma atitude que confronta a exigida pela ala ideológica. Sem o apoio do agronegócio, Bolsonaro não poderá se reeleger em 2022 e talvez ele nem termine seu mandato. Portanto, ele não tem alternativa senão dar espaço à China no 5G e manter a neutralidade na guerra comercial, que, por outro lado, removerá o apoio do setor ideológico. Assim, a coalizão que elegeu Bolsonaro está quebrada.
Atualmente, o Brasil não tem uma terceira opção: desiste da participação na China ou adere ao alinhamento com Washington na guerra comercial enquanto sua economia está arruinada. A escolha mais estrategicamente aceitável é visível, mas não há garantia de que essa seja uma decisão de Bolsonaro. Em suma, a China pode neste momento salvar o agronegócio brasileiro e, consequentemente, a economia nacional. Mas, para isso, o governo deve permitir que a Huawei participe do leilão 5G.
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