25 de setembro de 2020

Força espacial dos EUA monitorando o Irã

Força Espacial Americana instala base militar no Golfo Pérsico para monitorar o Irã

Por Lucas Leiroz de Almeida




O sexto e mais novo ramo das Forças Armadas dos EUA agora tem uma base no exterior. Um esquadrão de 20 soldados foi enviado a uma base aérea em Al Udeid, que fica em um deserto do Catar, onde será enviada a primeira unidade da Força Espacial Americana no exterior. A Força Espacial é o primeiro novo serviço militar desde a criação da Força Aérea em 1947 e a velocidade com que conseguiu instalar sua primeira base no exterior é surpreendente. No domingo (20 de setembro), a Força Espacial dos Estados Unidos postou um vídeo em sua conta do Twitter mostrando a cerimônia de juramento dos militares, que ocorreu no início deste mês. O número de soldados na região é provisório e deve aumentar em breve.

As missões a serem realizadas na base militar ainda não estão totalmente elucidadas, mas já sabemos que as atividades girarão em torno de um serviço de monitoramento do Golfo Pérsico e das nações locais, o que, em outras palavras, pode ser identificado como um serviço de espionagem com uso de tecnologia espacial. Os soldados terão que operar satélites, rastrear manobras inimigas no espaço e capturar dados aplicando tecnologia espacial.

“Estamos começando a ver outras nações extremamente agressivas na preparação para estender o conflito ao espaço (...) Temos que ser capazes de competir, defender e proteger todos os nossos interesses nacionais”, disse o coronel Todd Benson, comandante do US Space Tropas da força no Qatar durante uma entrevista.

O mais preocupante com a internacionalização da Força Espacial Americana é a escolha do Golfo Pérsico para a instalação da base. Washington optou por instalar uma base na região do Golfo em um momento de tensões específicas entre os Estados Unidos e o Irã, que vêm aumentando progressivamente. O governo Trump impôs sanções recentemente à agência espacial iraniana, acusando-a de desenvolver mísseis balísticos sob a cobertura de um programa civil para colocar satélites em órbita. Agora, por acaso ou não, os Estados Unidos estão instalando uma base de operações espaciais militares em um país vizinho ao Irã com a intenção reconhecida de monitorar “nações agressivas”.

A alocação de armas de destruição em massa em órbita é proibida pelo Tratado Espacial de 1967, mas nenhum limite é estabelecido para outras atividades de guerra espacial, seja naquele tratado ou em outros documentos legais relativos ao espaço sideral. Se o Irã está realmente usando um sistema de satélite civil para ocultar um projeto de lançamento de míssil nuclear, está cometendo um ato ilegal segundo a lei espacial internacional. Mas não há nada estabelecido sobre as regras de espionagem e monitoramento remoto, que são as formas mais amplamente utilizadas de tecnologia espacial para fins militares.

Enquanto essa lacuna legal permanecer, será permitido espionar e coletar dados de outros países usando tecnologia espacial. Porém, o mais perigoso é que não só os programas militares são monitorados por satélites espiões, mas também dados industriais, corporativos, científicos e econômicos. Em outras palavras, a tecnologia espacial militar pode ser usada para roubar todo tipo de informação e desmantelar qualquer projeto nacional dessas “nações agressivas”.

É verdade que todas as grandes potências militares globais possuem sistemas espaciais complexos e utilizam essa tecnologia para fins de segurança e defesa, mas o precedente se abre pela criação de uma base militar nas proximidades de um país considerado inimigo - e com um caráter quase explícito justificativa para monitorá-lo - é realmente perigoso. Se práticas como essa se generalizarem, teremos um cenário caótico de proliferação de bases explícitas de espionagem pelo mundo.

Outro cenário terrível seria uma reação iraniana, com o disparo de satélites espiões americanos, causando retaliação generalizada de ambos os lados e levando a uma militarização completa do espaço sideral. Nesse sentido, uma nova corrida armamentista será gerada, buscando a constante modernização do armamento espacial, com sistemas cada vez mais complexos e perigosos dispersos em bases espaciais militares instaladas em todos os continentes.

No entanto, as atividades da Força Espacial dos Estados Unidos são fortemente condenadas no próprio cenário político americano. Muitos políticos, especialistas e militares consideram a criação de uma força espacial como uma “vaidade de Trump” e tendem a acreditar que o orçamento para a nova força armada diminuirá com uma possível derrota de Trump nas eleições. De qualquer forma, o resultado das eleições é incerto, e a Força Espacial já foi criada e está funcionando, portanto, independentemente dos planos financeiros futuros, os problemas não vão desaparecer.

Só há uma maneira de evitar esse cenário: por meio do direito internacional. A lei espacial impediu uma militarização drástica do espaço sideral durante a Guerra Fria no contexto de uma corrida nuclear, mas esses documentos legais não são mais eficientes para as circunstâncias contemporâneas. Precisamos de um novo tratado internacional que proíba efetivamente a espionagem espacial com um tribunal internacional legal que pune as nações que desrespeitam essas normas e impede a generalização da violência entre potências militares.


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InfoBrics.


Lucas Leiroz é pesquisador em direito internacional na Universidade Federal de Rio de Janeiro.


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