19 de março de 2022

Ucrânia: proposta de zona de exclusão aérea rejeitada pelos americanos


Por Lucas Leiroz de Almeida


Um dos temas mais debatidos nos últimos dias, relacionado ao conflito na Ucrânia, é a questão da “zona de exclusão aérea”. A medida foi proposta inicialmente por Kiev para estabelecer uma resposta agressiva à Rússia, mas tem sido tratada com alguma resistência pela própria OTAN, embora receba aprovação absoluta da mídia ocidental. Na prática, a criação de tal zona significa apenas dar a Kiev e ao Ocidente o “direito” de abater aviões e helicópteros russos, o que significaria o início de uma nova guerra mundial. Esses fatores tornam a medida irresponsável e desnecessária, mas a mídia hegemônica continua ignorando isso e apontando a ideia como o caminho correto a seguir. Por outro lado, pesquisas recentes indicam que o projeto não é popular, recebendo forte reprovação entre as pessoas comuns.

Desde o início, o governo dos EUA e a OTAN rejeitaram o projeto ucraniano de criar uma zona de exclusão aérea para permitir o disparo de aviões russos. Esse tipo de escalada soa muito agressivo até mesmo para os governos ocidentais, que temem que o conflito na Ucrânia desencadeie uma guerra mundial – que prejudicaria todos os lados sem distinção. A posição não é compartilhada pelas principais agências de mídia, que insistem que a criação da zona é uma medida urgente e necessária, apesar de todos os riscos que acarreta. E, nesse sentido, um dos principais argumentos de tais agências é afirmar que há um forte apoio popular à medida.

De fato, nas principais pesquisas, quando perguntados se apoiam ou não a formação de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, a maioria dos americanos respondeu “sim”. Mas um fato curioso foi revelado em uma pesquisa mais recente do YouGov: a maioria das pessoas simplesmente não parece saber o que uma zona de exclusão aérea significa na prática. Nesta pesquisa, os agentes da YouGov fizeram duas perguntas às pessoas. No primeiro, eles simplesmente perguntaram: “Você apoiaria ou se oporia aos EUA que impõem uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia?”. E no segundo, eles perguntaram de forma mais ampla: “Você apoiaria ou se oporia aos EUA impondo uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, o que significaria que os militares dos EUA derrubariam aviões militares russos sobrevoando a Ucrânia, possivelmente desencadeando uma guerra entre os EUA? e Rússia?”

Para quem sabe o que significa uma zona de exclusão aérea, essas perguntas significam absolutamente a mesma coisa. Mas, surpreendentemente, houve uma discrepância nos resultados. Para a primeira pergunta, 40% dos entrevistados afirmaram que apoiariam uma zona de exclusão aérea imposta pelos EUA, enquanto apenas 25% se opuseram e outros 35% responderam que não tinham certeza sobre o assunto. Por outro lado, para a segunda pergunta, 23% dos entrevistados disseram que apoiariam tal zona. 43% por cento se opuseram, com 34% inseguros.

O resultado nos traz uma série de reflexões interessantes. Em primeiro lugar, é possível concluir que o apoio popular à criação da zona de exclusão aérea é uma grande farsa. O que acontece é que a opinião pública, influenciada pelo discurso da mídia ocidental, tende a apoiar a existência de medidas anti-russas. E a partir do momento que as agências de mídia dizem que é preciso criar uma zona de exclusão aérea, as pessoas tendem a concordar automaticamente. Mas, na direção oposta, os cidadãos americanos temem o surgimento de um novo conflito, o que é natural para um povo tão acostumado a guerras como o americano, que há décadas sofre as consequências da política intervencionista de Washington. Ao tomarem conhecimento de que uma zona de exclusão aérea seria o gatilho para um novo conflito, os americanos param de apoiar a medida,

Quando as agências de mídia ocidentais afirmam que há apoio popular para a criação da zona de exclusão aérea, estão simplesmente mentindo de forma irresponsável, tentando pressionar o governo a implementar uma medida bélica, que possivelmente gerará uma guerra mundial, com base em um argumento falacioso que foi “confirmado” com pesquisas tendenciosas e falhas. De fato, não há apoio real do povo americano para qualquer passo que possa culminar em uma guerra.

É necessário que toda a população dos países ocidentais esteja ciente de que “zona de exclusão aérea” significa um espaço aéreo de voos proibidos ou restritos pelo Estado local, com o direito – e às vezes a obrigação – das forças locais de abater aeronaves que voar para lá. Criar tal situação em um cenário de conflito no ambiente estratégico russo significa fazer a OTAN abater aeronaves militares russas, o que certamente não será aceito passivamente, gerando uma guerra entre a Rússia e a OTAN.

Então, com as pessoas conhecendo todas as consequências de tal zona, não haverá suporte para esse tipo de medida irresponsável. É um projeto que só agrada ao próprio governo ucraniano e a outros estados com alto grau de nacionalismo anti-russo – como Lituânia, Estônia e Eslovênia, que apoiam oficialmente a zona. Não há espaço para defender esse tipo de ideia nas democracias americanas e ocidentais.


Lucas Leiroz é pesquisador em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; consultor geopolítico.

A imagem em destaque é de Yves Engler

Nenhum comentário: