Um novo relatório impressionante revela os bancos e fundos que investiram US$ 27 bilhões em empresas que financiam o poderoso lobby do agronegócio brasileiro
Entre 2019 e 2021, bancos transnacionais e fundos de investimento contribuíram com mais de US$ 27 bilhões para empresas que fazem parte da cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (Instituto Pensar Agro – IPA). O IPA é o think tank por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (Frente Parlamentar Agropecuária – FPA), responsável por um pacote de medidas antiambientais em tramitação no Congresso brasileiro. O valor investido corresponde ao PIB do Líbano, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2020.
O relatório foi elaborado pelo De Olho nos Ruralistas com base em dados coletados pela plataforma Florestas & Finanças , que fornece estatísticas sobre transações financeiras direcionadas a atividades de alto impacto ambiental, como agropecuária e mineração. A reportagem faz parte do dossiê “ Os Financiadores da Destruição: como empresas multinacionais patrocinam o lobby do agronegócio e sustentam o desmantelamento da regulação socioambiental no Brasil ”, lançado em julho em português e inglês .
O valor bilionário corresponde a compras de ações por fundos soberanos, concessões de empréstimos, renegociações de dívidas e emissões de títulos realizadas entre janeiro de 2019 e abril de 2021 (data da última coleta de dados). No caso de grupos multinacionais, como as processadoras de soja Cargill, ADM e Bunge, e as frigoríficas JBS, Marfrig e Minerva, foram considerados apenas os investimentos para as operações no Brasil.
Os resultados mostram seis grupos financeiros globais à frente de investimentos em empresas vinculadas ao IPA. Juntos, JP Morgan Chase, Bank of America, Citigroup e os fundos BlackRock, Vanguard e Dimensional transferiram US$ 4,12 bilhões para empresas envolvidas no financiamento do lobby do agronegócio em Brasília. O valor corresponde a 15% do valor total de US$ 27,06 bilhões em transações analisadas no período.
Os fluxos financeiros foram detalhados em dois mapas interativos, que mostram as rotas globais de financiamento e os segmentos específicos apoiados por cada fundo.
Suzano concentra 51,9% dos investimentos entre os financiadores de IPA
O relatório compilado por De Olho mostra que a Suzano foi a favorita do capital estrangeiro nos últimos três anos. Entre 2019 e 2021, o grupo liderado pela família Feffer recebeu US$ 14,03 bilhões de bancos e fundos de investimento globais, o equivalente a 51,9% do total investido em empresas associadas ao IPA no período. Os principais apoiadores da empresa foram Bank of America (US$ 791,3 milhões), JP Morgan Chase (US$ 774,8 milhões) e BlackRock (US$ 525,5 milhões).
A atenção dos investidores se concentrou principalmente na fusão com a Fibria (antiga Veracel), anunciada em 2018 e concluída no ano seguinte. Esse processo criou um monopólio virtual: a Suzano SA, por conta da fusão, é a maior produtora de celulose e eucalipto do mundo e a quinta maior empresa do Brasil, em todos os setores econômicos.
Mulheres do MST ocupando uma unidade da Suzano em 2015
O CEO, Walter Schalka, é vice-presidente da Ibá, associação que reúne os maiores produtores de celulose do Brasil e um dos principais apoiadores do Instituto Pensar Agro. Além do setor madeireiro, a Suzano também atua nos setores de agrotóxicos e sementes transgênicas por meio de sua subsidiária FuturaGene, que participa da CropLife Brasil.
Adquirida pela família Feffer em 2010, a FuturaGene detém a primeira licença para produzir e comercializar eucalipto transgênico no país, concedida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2015. A aprovação da variedade geneticamente modificada, conhecida como H421, foi o segundo a ocorrer no mundo e foi alvo de protestos. Na época, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam o centro de pesquisas da Suzano em Itapetininga (SP) e o prédio da CTNBio em Brasília (DF) para protestar contra a autorização.
Além desses conflitos, a empresa é conhecida pela participação de seus diretores, irmãos David e Daniel Feffer, em movimentos de financiamento da chamada “nova direita” no Brasil. Daniel é um dos fundadores do Instituto Millenium, ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes. Seu irmão David esteve envolvido, em 2007, na criação do Instituto de Formação de Lideranças, um dos organizadores do Fórum Liberdade e Democracia, ao lado de José Salim Mattar Junior, proprietário da locadora Localiza Hertz e ex-secretário-geral de Privatização no governo do Sr. Bolsonaro.
A família também mantém laços estreitos com o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em 2018, o De Olho nos Ruralistas mostrou que a Suzano foi a principal beneficiária da tentativa de Salles de modificar irregularmente o Plano de Gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê quando era secretário do Meio Ambiente em São Paulo. Acusado pelo Ministério Público Federal, foi absolvido em março de 2021.
Estados Unidos e Europa lideram financiamento internacional
A análise das transações financeiras com base nos dados da plataforma Florestas & Finanças mostra uma grande concentração de recursos direcionados às empresas do agronegócio brasileiro provenientes de investidores do Norte global. Os Estados Unidos são o maior fornecedor de recursos, com US$ 7,44 bilhões provenientes principalmente de bancos como American International Group (AIG), Bank of America, Citigroup, JP Morgan Chase e Vanguard.
JBS é uma das líderes em investimentos internacionais
Grandes grupos financeiros europeus, como o alemão Allianz e o Deutsche Bank; o Barclays britânico e o Standard Chartered; os espanhóis BBVA e Santander; o francês BNP Paribas; os holandeses ABN-Amro e Rabobank, entre outros; investiram US$ 4,5 bilhões em empresas de IPA.
Único sobrevivente entre os players financeiros que estiveram por trás da crise global de 2008 , o JP Morgan Chase lidera a lista, tendo investido mais de US$ 1,1 bilhão em transações no período. Além da já mencionada Suzano, o banco de Wall Street investiu em outras 15 empresas, com destaque para a processadora de carnes Marfrig, que recebeu US$ 103,29 milhões em 2019 e outros US$ 4,7 milhões entre janeiro e abril de 2021.
O Bank of America e a BlackRock também investiram US$ 1 bilhão cada. Este último é famoso por ser o principal investidor da brasileira JBS, totalizando US$ 139,34 milhões em repasses desde 2019. Maior produtora mundial de proteína animal, a empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista também recebeu dinheiro de corretoras registradas em paraísos fiscais offshore.
Segundo o relatório, a empresa de processamento de carne recebeu US$ 60 milhões pela compra de ações e títulos por duas corretoras privadas nas Bermudas, Fidelity International e Lazard , ambas citadas no Offshore Leaks, uma investigação sobre evasão fiscal e fuga de capitais liderada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ). Em menor grau, ambos também negociaram ações da Bunge em 2021.
Setor financeiro brasileiro também entra na festa
Apesar de liderar os investimentos, os grupos internacionais não são os únicos a apoiar as atividades das empresas que compõem o IPA. Bancos e players do mercado financeiro brasileiro como BTG Pactual, Safra, Verde Asset Management, Vinci Partners e XP Investimentos – seja por meio de crédito, titular de ações e títulos, ou empréstimos, diretos ou via Plano Safra – mantêm títulos estimados em US US$ 9,3 bilhões.
Além do setor privado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – que tem uma política de investimentos parcialmente voltada para o agronegócio – emprestou mais de US$ 3 bilhões a empresas vinculadas ao IPA entre janeiro de 2019 e abril de 2021. Destaca-se a participação do banco na Ourofino Saúde Animal, do grupo Ourofino, segunda no ranking das empresas que atuam na estrutura de associações do agronegócio, com participação em seis entidades.
Além do banco de desenvolvimento, também participam fundos de investimentos institucionais brasileiros, como Petros, da Petrobras, e Valia, de funcionários da mineradora Vale.
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Caio de Freitas Paes é jornalista. Escreve para De Olho nos Ruralistas e The Intercept Brasil, entre outros veículos de comunicação.
Bruno Stankevicius Bassi é o coordenador do projeto do observatório.
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