Teste recente de míssil balístico nos EUA impulsiona a renuclearização do mundo
O objetivo é mostrar o poder do arsenal de guerra americano, o que colocará outros países em estado de alerta.
Por Lucas Leiroz de Almeida
As tensões nucleares estão aumentando cada vez mais. Os militares dos EUA disseram em 16 de agosto que realizaram um teste com o míssil balístico intercontinental M inuteman III. No comunicado oficial, foi ainda informado que a operação já estava previamente agendada, tendo sido adiada para evitar o aumento das tensões com Pequim durante a demonstração de força da China perto de Taiwan no início deste mês. Por algum motivo inexplicável, Washington considerou o momento atual o mais “apropriado” para a manobra.
O míssil foi lançado da base da Força Espacial Vandeberg, na Califórnia, e percorreu cerca de 6.760 km. Porta-vozes militares indicaram que o projétil autopropulsado estava desarmado e equipado com um veículo de reentrada de teste. Além disso, a declaração deixa claro que a missão pretendia demonstrar a prontidão das forças nucleares dos EUA.
“Os aviadores do Comando de Ataque Global da Força Aérea lançaram um míssil balístico intercontinental Minuteman III desarmado equipado com um veículo de reentrada de teste da Base da Força Espacial Vandenberg, Califórnia, 16 de agosto às 12h49, horário do Pacífico, para demonstrar a prontidão das forças nucleares dos EUA e fornecer confiança na letalidade e eficácia do dissuasor nuclear do país”, diz o comunicado.
Fabricado pela Boeing, o Minuteman III é um míssil com capacidade nuclear e alto poder destrutivo. Atualmente, este míssil é um elemento chave no arsenal estratégico dos militares dos EUA. A arma tem uma capacidade de alcance de mais de 9.660 km e pode viajar a uma velocidade de aproximadamente 24.000 km por hora. O Minuteman III também é considerado parte da chamada “tríade nuclear” americana, juntamente com o míssil balístico lançado por submarino Trident e as armas nucleares transportadas por bombardeiros estratégicos de longo alcance.
Comentando sobre a relevância do teste, o Coronel Chris Cruise, Comandante do 576º Esquadrão de Teste de Voo, disse:
“Não se engane – nossa tríade nuclear é a pedra angular da segurança nacional de nosso país e de nossos aliados em todo o mundo (…) Este lançamento de teste programado é uma demonstração de como a frota de ICBMs de nossa nação ilustra nossa prontidão e confiabilidade do sistema de armas. É também uma ótima plataforma para mostrar os conjuntos de habilidades e experiência de nosso pessoal de manutenção de armas estratégicas e de nossas equipes de mísseis que mantêm uma vigilância inabalável para defender a pátria”.
De referir que os testes com este equipamento já tinham sido cancelados pelos EUA em pelo menos duas ocasiões, uma em abril e outra no início de agosto. O primeiro cancelamento foi motivado pela necessidade de evitar tensões nucleares com a Rússia em meio à operação militar especial na Ucrânia. O segundo foi devido às tensões com a China sobre a visita de Nancy Pelosi a Taipei.
O que não está claro, porém, é por que o momento atual foi considerado adequado pelos militares norte-americanos para realizar esse tipo de teste. As tensões com a Rússia e a China não cessaram – nem mesmo diminuíram. Washington continua a desestabilizar a segurança do Leste Europeu enviando armas ao governo ucraniano para “atrasar” a vitória russa na Ucrânia – embora se saiba que essas armas estão sendo usadas para atingir alvos civis e usinas nucleares (Zaporozhye). No mesmo sentido, as provocações contra a China continuam em alta, com novas visitas recentes de autoridades americanas à ilha, mesmo após constantes mensagens chinesas para que os EUA parem de violações à soberania de Pequim.
Então, de fato, o teste americano só pode ser interpretado como uma verdadeira demonstração de força. Apesar dos cancelamentos anteriores, a escolha do momento atual não foi motivada por ser um cenário “mais estável” – porque não é. A escolha foi feita justamente para, em meio à crise de segurança global, mostrar ao mundo o poder do arsenal de guerra americano. Além disso, é obviamente uma resposta às atividades militares chinesas no Estreito de Taiwan, considerando que esta questão é o principal foco global de tensões atuais.
O resultado da atitude americana será apenas um: impulsionar ainda mais a militarização e a renuclearização do mundo. O que se espera para o futuro próximo é que os países rivais dos EUA se coloquem em estado de alerta – inclusive de alerta nuclear, no caso das potências que possuem essa tecnologia. Por exemplo, o governo norte-coreano, de acordo com relatórios recentes, está planejando um novo teste nuclear. Com o lançamento de mísseis balísticos dos EUA, é provável que os projetos nesse sentido sejam intensificados. Algo semelhante pode ser dito sobre o Irã, que, diante da ameaça dos EUA, deverá se tornar ainda mais resistente nas negociações de um novo acordo nuclear.
Mais uma vez, os EUA estão pressionando pela renuclearização da política internacional. Não é razoável que um país provoque seus rivais e então, diante das respostas, decida dissuadi-los lançando mísseis. Washington precisa entender que a ordem mundial multipolar será construída por meio do diálogo multilateral e do não-intervencionismo, não por meio de intimidação militar.
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O Lucas Leiroz é pesquisador em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; consultor geopolítico. Você pode seguir Lucas no Twitter .
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